29.3.08

Chôro e Medo


Sou a esperança, mais forte que tudo; mais forte que o sonho. Sou a segurança e o gostar de estar vivo e a paixão por si mesmo. No entanto choro. Choro e tenho muito medo. Já caí e levantei muitas vezes, com ou sem ajuda, o fato é que estou de pé. Conheço o sabor amargo lá do poço, a frieza das paredes e a dura escalada para a luz e para o conforto do calor de um sol de verão com céu azul.

Tenho medo. Sou uma ostra, um caramujo, um tatu-bola, um embrião em posição fetal, uma toupeira e a cabeça escondida de um avestruz. Choro sem querer chorar e odeio cada pingo destas lágrimas que escondem o brilho de meu sorriso, enrubescem minha esclera e opacificam minha íris. Eu queria tanto chegar pertinho de Dédalus, ver um salto de uma baleia para fora d´água, uma carpa contra a corrente, o rewind, mas apenas choro a minha incapacidade e humanidade que me aprisiona neste corpo limitado.

Não vivo por mim mais e daria o meu coração pulsante para meu filho sem pensar duas vezes e seria muito natural. No entanto, encontro-me sem família, sem emprego, sem dinheiro, indigno até de minha própria culpa. Ainda assim, penso nos nomes que me integram e sobretudo que sou afinal a esperança, mais forte que tudo, mais forte que o sonho.

Dedico meu suor, minha depressão sim, meu "me bem quiseram", minha juventude e sua transformação em careca, barriga, lágrimas, medo e saudade àqueles que puderam me ver e me enxergaram; eu os vi a todos e também chorei por e com vocês. Fui fiel a mim mesmo e a todos em cada atitude, mesmo dentro de minhas imperfeições e deslizes, acredito e orgulho-me de ter sido sobretudo coerente e fiel. A minha insônia desperta e meus pesadelos dormindo, essa intranquilidade que me mostra o descompasso da vida a que cheguei é o descontrole, covardia, meu chôro, meu medo.

Tenho dificuldade em concretizar objetivos, em corresponder a expectativas, em ser o que pareço. Hoje o meu sorriso, meu bom humor, meu controle e estabilidade são medo e chôro. Minha indignidade e incapacidade de ser grato perante a nobreza daqueles que estenderam suas mãos a mim me envergonham e me colocam pequeno sem conseguir nem enxergar o que escrevo.

Meu desejo vira desespero, minhas intenções, audácias desrespeitosas a hierarquias, minhas dificuldades nunca toleradas nem por mim mesmo. Eu também queria um lugar só meu em que eu fosse amigo do rei, longe destas sombras. No entanto sou um porco que tem o nariz escorrendo ranho, pois sou chôro e medo. Onde estão a esperança e o sonho ?